TRABALHADORAS E TRABALHADORES DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL DE BERTIOGA
NOTA DE REPÚDIO
Bertioga, 8 de novembro de 2019.
Nós trabalhadoras e trabalhadores e estagiárias (os) do Sistema Único de Assistência Social do Município de Bertioga vimos, por meio desta, repudiar veementemente as atitudes cometidas e publicizadas pela atual vereadora Valéria Bento e equipe em vídeo publicado em suas redes sociais. No citado vídeo, a Vereadora, extrapolando as suas funções regimentais, utilizando-se de abuso de autoridade e autopromovendo-se de maneira ilegal, participa de uma ação de caráter extremamente violento. Na abordagem, executada pela Secretaria Municipal de Trânsito, ocorrem tantas violações de direitos humanos e constitucionais que é passível e será levado ao conhecimento dos órgãos de proteção, defesa e responsabilização a fim de que a mesma, assim como a Prefeitura Municipal de Bertioga e funcionários responsáveis prestem, esclarecimentos e sejam responsabilizados.
Cabe ressaltar, o que deveria ser bastante óbvio, que a pessoa em situação de rua , permanece sendo uma pessoa, cidadão de direitos, e deve ter sua dignidade preservada.
A Ciência Social aponta que as pessoas que sobrevivem nas ruas, não são as únicas responsáveis por esta situação. A população em situação de rua é produto da extrema pobreza, é reflexo da forma que nossa sociedade se organiza historicamente, nos dias atuais, no modo de produção capitalista. Essa população sobrevive em situação de privação de direitos fundamentais, tais como enunciados no Artigo 5° e 6° da Constituição Federal de 1988 e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, dos quais destacamos os seguintes princípios e termos:
Art. 5° - III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal
Art. 6° - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, à proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988);
Como consequência às determinações sociais que condicionam as relações sociais da sociedade e todas essas privações e violações que afetam a vida dessa população, incidem dramaticamente sobre o cotidiano e sua subjetividade desencadeando enormes prejuízos materiais e psicossociais. Esse processo engloba também uma cultura de discriminação e preconceito de grande parcela da sociedade que, reproduzindo a ideologia dominante, cria estereótipos, estigmatizando e reforçando uma imagem negativa das pessoas que sobrevivem nas ruas, robustecendo ainda mais desigualdade e a violência. Vemos com extrema preocupação que a solução apresentada e amplamente veiculada em redes sociais e programas de grande alcance de público, para a ausência e violação dos direitos supracitados, seja o uso de mais violência invertendo assim, as lógicas e os pressupostos de cuidado, equidade e promoção de uma sociedade mais justa e digna para todos. Entendemos que os representantes legais, sejam eles do executivo, legislativo ou judiciário deveriam atuar em defesa da população e não de maneira a puni-las ainda mais.
Ressaltamos a ausência de políticas públicas no município voltadas a essa população e à promoção de sua dignidade, assim como a ausência de tantas outras para garantir direitos fundamentais como trabalho digno, alimentação, identidade, moradia, saúde. Nós trabalhadoras/es conhecemos de perto tais defasagens e nos sentimos impotentes diante do pífio orçamento destinado às políticas de superação da pobreza, a falta de planejamento, de gestão e integração entre as políticas públicas e a postura da câmara de vereadores que, seja por ação, omissão, ou negligência, não fiscaliza o uso do dinheiro público e não apresenta projetos qualificados para atender as questões aqui levantadas.
No vídeo a vereadora parece desconhecer a realidade de nosso município, do país e mundial e manda, autoritariamente, o cidadão, violentamente abordado e exposto sem autorização do uso de sua imagem, ir trabalhar.
Perguntamos à Vereadora: Há trabalho digno para toda a população desempregada de Bertioga? Só não trabalham aqueles que não querem? Sobre aqueles que vendem artesanatos entre outros itens, é correta a apropriação indevida, ilegal e arbitrária de seus bens e meios de trabalho? Outro apontamento feito pela vereadora é o de que a população abordada procure a Casa de Passagem. Mais uma vez perguntamos: Há vagas para todos na casa de passagem? Há fiscalização de seu funcionamento e condições de atendimento à população? Do atual contrato da administração terceirizada, mais uma vez, feita de forma emergencial? Da gestão que deveria, caso opção fosse a terceirização, fazer a publicação e chamamento por edital em tempo hábil? Não seria esse o trabalho que deveria ser feito pelos representantes do legislativo, conforme a própria legislação? A Vereadora está ciente de que essa ação contribui para a promoção do preconceito, da estigmatização e da violência ? Recomendamos ainda que a vereadora, caso esteja realmente interessada em intervir nos problemas relacionados à população em situação de rua, em trânsito, ou em extrema pobreza, que se aproprie da legislação começando pela Constituição, Guias de orientação como o POP CREAS, a Política Nacional de Assistência Social, a Política Nacional para a População em Situação de Rua (decreto 7.053 de dezembro de 2009), entre outros. Quando melhor orientada, que converse com a população alvo das ações e sujeitos de direitos, sobre as suas necessidades e problemas e com os trabalhadoras/es e profissionais da área.Nós, enquanto equipe técnica e profissionais em formação, estamos abertos ao diálogo e seguimos no compromisso ético de lutar pela garantia dos direitos a todos os segmentos da população (população em situação de rua, LGBTQI, mulheres, crianças e adolescentes, idosos) em suma, maiorias e minorias, pois sabemos que só assim, diminuiremos os índices de violência e injustiças.Cabe ao final questionar: são os moradores de rua que nos incomodam? Ou é a falta de políticas públicas, que respeitem sua dignidade e vontade, e que produzem cada vez mais pessoas em condições de miséria? É somente de trabalho que essas pessoas necessitam?
“Quem na vida perde telhado, ganha em troca as estrelas”
Sem mais para o momento nos colocamos a disposição.
Atenciosamente,
Equipe trabalhadora do SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - Bertioga