sexta-feira, 5 de abril de 2024

Roda de Conversa entre Trabalhadores/as do SUAS

FNTSUAS promove roda de conversa virtual na próxima quarta-feira, 10 de abril de 2024 às 19h ✊🏾FNTSUAS promove roda de conversa virtual intitulada “Fortalecer, consolidar e ampliar a participação dos/as trabalhadores/as do SUAS” na próxima quarta-feira, 10 de abril de 2024 às 19h por meio da plataforma digital googlemeet. Para contribuir com as reflexões, teremos como convidada a Assistente Social Jucileide Nascimento. 🎯Convidamos a todos/as para participar da Roda de Conversa Virtual “Fortalecer, consolidar e ampliar a participação dos/as trabalhadores/as do SUAS” no dia 10 de abril próximo, às 19 horas, tendo como proposta continuarmos a discussão sobre o tema da representação e representatividade dos/as trabalhadores/as do SUAS, ao mesmo tempo que aprimoramos e buscamos novas estratégias para potencializar a efetividade de nossas incidências de forma a impedir qualquer retrocesso em direitos na participação e controle social, fiéis à doutrina jurídica da irredutibilidade do direito. Queremos também acumular aos diálogos, com subsídios para os debates no Seminário dos Trabalhadores que ocorrerá no dia 16 de abril de 2024 durante as atividades da Reunião Descentralizada e Ampliada do CNAS que irá acontecer no Rio de Janeiro. 👉🏽VENHA PARTICIPAR! A VALORIZAÇÃO DO/A TRABALHADOR/A DO SUAS É FUNDAMENTAL!!! 📲 Acesse o convite na íntegra: https://fntsuas.blogspot.com/2024/04/fntsuas-promove-roda-de-conversa.html #SUASResiste #SUASporDireitos #Participação #ControleSocial

quarta-feira, 27 de março de 2024

“O trabalho profissional em situações de desastres ambientais e calamidades”

É cada vez mais recorrente situações que envolvam o trabalho de assistentes sociais em situações de remoções, calamidade pública e desastres ambientais. Diante dessa realidade que se apresenta, a Seccional Santos propõe para o dia 22/03 (sexta-feira) a atividade “O trabalho profissional em situações de desastres ambientais e calamidades”, às 17 horas, na Unifesp Baixada Santista. O encontro presencial contará com a presença da geóloga Cassandra Maroni Nunes e Thiago Agenor dos Santos, diretor estadual, e não há necessidade de inscrição 🔴 Durante a atividade será apresentada também algumas das orientações contidas na nota técnica sobre o trabalho de assistentes sociais em ações de remoção e reintegração de posse, já em fase de conclusão, e que será oficialmente lançada durante uma live no próximo dia 26/03

A desigualdade no chão das cidades como tema das eleições municipais

No contexto das eleições municipais que se aproximam cabe a pergunta: um outro futuro é possível nas cidades da Baixada Santista? Por Sônia Regina Nozabielli Não há dúvida de que este mundo é desigual e o chão das cidades expressam desigualdades. Mas, a simples pergunta do que seja “desigualdade” provoca diferentes explicações que vão desde a naturalização e aceitação da sua existência ao seu repúdio e defesa de outras condições de vida para todas as pessoas. Recentemente, as tirinhas de Fabiane Langon, publicadas na Folha de São Paulo, versaram sobre algumas palavras que vêm perdendo o sentido pelo uso controverso ou exagerado. Inspirada nessas tirinhas e analisando o cotidiano das cidades, a desigualdade é uma dessas palavras ameaçadas de extirpação e deturpação do seu significado. A palavra desigualdade é formada pelo prefixo “des” que se junta a palavra “igualdade”, que tem ampla tradição de estudos ao longo da história da civilização. Palavra que carrega opostos interdependentes (igualdade e desigualdade), da ordem das contradições geradas pelo modo como a sociedade é organizada. Contradições que aparecem em um determinado momento, se integram dentro de um processo e podem ser reversíveis a depender dos deslocamentos e mudanças produzidas pela ação política e coletiva de homens e mulheres no curso da história. A palavra desigualdade, portanto, tem relação direta com a ideia de igualdade que uma sociedade é capaz de produzir e defender. É uma palavra que contém ou pode conter um sentido crítico e questionador das injustiças sociais, da dominação política e econômica, das opressões, das violências, da segregação no espaço urbano. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Ocupa a primeira posição no ranking de concentração de renda e riquezas (Relatório Global Wealth Report 2023). Quase metade da riqueza do país (48,4%) está nas mãos de apenas 1% da população. Depois do Brasil, estão no topo dessa lista: Índia (41%); Estados Unidos (34,3%); China (31,1%); e Alemanha (30%). Em agosto de 2023, o Observatório Brasileiro das Desigualdades publicou o relatório “Um retrato das desigualdades no Brasil hoje”. Um documento que traz 42 indicadores, organizados em 8 temas (educação; saúde; renda, riqueza e trabalho; clima e meio ambiente; desigualdades urbanas e acessos a serviços básicos; representação política e no poder judiciário; segurança pública; e segurança alimentar) e considera as desigualdades territoriais, de gênero e de raça que têm reproduzido desigualdades ao longo de gerações. Dentre outros aspectos, o relatório informa que a distância entre ricos e pobres é gigantesca. Os 10% mais ricos obtinham, em 2022, um rendimento médio mensal per capita 14,4 vezes maior do que os 40% mais pobres. Cerca de 7,6 milhões de pessoas viviam com uma renda per capita mensal menor do que R$ 150,00 e, os que menos ganhavam, eram os que pagavam mais impostos: os 10% mais pobres pagam 26,4% da sua renda em tributos, enquanto os 10% mais ricos apenas 19,2%. Também destaca que negras/os e mulheres são os grupos menos representados nas instâncias de tomada de decisão e os mais afetados por todas as dimensões de desigualdade; que a falta de condições de dignidade afeta os mais pobres desde o seu nascimento; que parte expressiva da população ainda mora em áreas precárias ou de risco e apresenta maior risco de morte por conta da ausência de serviços adequados de saúde; e que a desigualdade entre regiões, estados e municípios é marcante. Tudo isso permite dizer que a desigualdade não é um fenômeno natural, não é sinônimo de diferença, não decorre do fracasso individual de muitas pessoas e do sucesso de poucas, não pode ser enfrentada isoladamente e responsabilizada individualmente, não se explica por um fundo moral, da maldade humana. A desigualdade é produzida pela sociedade e se expressa de modo diverso no chão urbano. Morar em palafitas, cortiços, favelas, comunidades urbanas; viver onde não tem esgoto sanitário; não ocupar posição de comando no trabalho por ser preta/o, por ser mulher; ter baixa renda ou nenhuma renda; morar longe do trabalho e perder tempo em deslocamentos; ser despejado por não ter renda para pagar o aluguel; ser definida/o como população em situação de rua; não ter uma alimentação adequada; estar exposta/o a riscos ambientais e substâncias contaminantes; sofrer discriminação, preconceito e violência por ser preta/o, mulher, LGBTQIA+, indígena, pessoa com deficiência, pessoa idosa; não ter trabalho e proteção social; dentre outras tantas situações, são marcas das desigualdades entre as pessoas, criam hierarquias e segregações, que se reportam a algum aspecto ou direito negado no espaço urbano. Como afirmou o renomado geógrafo britânico David Harvey, em 2015 quando esteve no Brasil, “a desigualdade é motor de segregação urbana”. Isto faz refletir o modo como a desigualdade, em suas variadas dimensões, alimenta os mecanismos de segregação urbana e é alimentada por essa lógica. Assim, a segregação urbana é resultado das desigualdades e ao mesmo tempo produz, perpetua e agrava as desigualdades no chão das cidades, criando barreiras e hierarquias no uso do espaço urbano. A segregação marca de forma diversa a qualidade de vida, o sentido de pertencimento e de direito à cidade nas diferentes pessoas que habitam o espaço urbano. Um dos mais importantes pensadores do urbanismo no Brasil, Flavio Villaça, afirmou em texto de 2011 (“São Paulo: segregação urbana e desigualdade”), que a segregação é a manifestação espacial urbana da desigualdade que demonstra o desnível que existe entre o espaço urbano das/os mais ricos e o das/os mais pobres. A segregação das residências das/os mais ricos (e, por oposição, a das/os mais pobres), a segregação dos seus locais de trabalho e do tempo/espaço de deslocamentos, a segregação no acesso a serviços, à cultura, ao lazer, à vida política, criam um ônus para as/os mais pobres e vantagens para as/os mais ricos. A saudosa professora da PUC-SP, Dirce Koga (2003), sintetizou essa dinâmica ao falar de territórios marcados pelas desigualdades e estigmas que dividem a cidade entre pobres e ricos, feios e bonitos, cultos e incultos, bregas e chiques. E incluiria, do morro e do asfalto. O que significa considerar os vínculos que articulam o espaço urbano segregado, com a economia, a política e a ideologia, por meio das quais opera a dominação. Santos, cidade polo da Região Metropolitana da Baixada Santista, pavimenta o desenvolvimento econômico e perpetua as desigualdades. As medidas da cidade são no superlativo, conforme demonstram alguns destaques de paradoxos no chão urbano: tem o maior complexo portuário e a maior favela de palafitas da América Latina; tem a maior quantidade de apartamentos como moradia predominante do Brasil; está entre as cinco melhores cidades para se morar no Brasil em qualidade de vida, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH); é a 10ª mais competitiva e ocupa a 1º posição geral na área de saneamento, do Ranking de Competitividade dos Municípios; tem os mais altos índices de mortalidade infantil e materna do estado de São Paulo. As cidades são espaços da desigualdade, da segregação, mas, também, da disputa pelo direito de viver nelas, com mais dignidade, igualdade e justiça. O que enseja considerar o contexto das eleições municipais que se aproximam e a pergunta: um outro futuro é possível nas cidades da Baixada Santista? Nossas cidades, como parte da lógica de cidades globais voltadas para o capital, estão segregando, expulsando, matando, silenciando, controlando, adoecendo as pessoas que nela vivem. É preciso pensar a cidade como espaço de proteção social. Tomar a desigualdade como tema significa adentrar a agenda política de candidatas/os as Prefeituras e as Câmaras de Vereadores, compor os planos de governo, pensar respostas aos problemas urbanos, de modo a melhorar as condições de vida e de trabalho das/os mais pobres, que sentem mais diretamente no seu cotidiano e na sua história, os impactos das desigualdades econômica, social e política. Que a desigualdade produzida e reproduzida no chão urbano dessa região metropolitana vire tema central nas eleições municipais, com debates públicos, democráticos e abertos à participação social. Que a desigualdade possa ser denunciada, descrita, medida, explicada e enfrentada pela via da cidadania em construção desde 1988, pelo conjunto das políticas sociais e das intervenções públicas na vida urbana. Que a vida das pessoas importe e se firme a perspectiva do direito à cidade, como direito humano e coletivo para o tempo presente e para o futuro. *Sônia Regina Nozabielli é doutora em Serviço Social, docente do curso de Serviço Social na Universidade Federal de São Paulo, pesquisadora do Observatório das Metrópoles – Núcleo Baixada Santista, que desenvolve o projeto Observatório das Metrópoles nas Eleições: um outro futuro é possível. https://folhasantista.com.br/noticias/politica/a-desigualdade-no-chao-das-cidades-como-tema-das-eleicoes-municipais/

sexta-feira, 15 de março de 2024

CADÚnico reflexões necessarias.

O CadÚnico tem potencial de proteção social desperdiçado. O Cadastro Único (CadÚnico) é o caminho para a população brasileira acessar programas sociais, como o Bolsa Família. - Ministério do Desenvolvimento Social Seria possível ao CadÚnico ser uma ferramenta de reconhecimento de cidadania? Por Carolina Teixeira Nakagawa Lanfranchii* e Aldaiza Sposati** "A cidadania pode começar por definições abstratas, cabíveis em qualquer tempo e lugar, mas para ser válida deve poder ser reclamada. A metamorfose dessa liberdade teórica em direito positivo depende de condições concretas [...]" (SANTOS, 2014, p.20). A desigualdade socioeconômica e de representação política é a marca histórica da sociabilidade brasileira: ao mesmo tempo em que processa a distinção e a discriminação, leva o potencial cidadão para o trato de apartheid social. Por isso a dificuldade histórica em aceitar que proteção seja parte da responsabilidade social do Estado na preservação da dignidade humana e garantia de direitos universais. Afinal proteção social implica em que o cidadão saiba com o que pode contar em um momento de fragilidade. No início dos anos 2001 foi criada pelo governo federal uma ferramenta nacional de registro de unidades familiares para manifestação da precarização de suas condições de vida, situação essa que as afastavam do reconhecimento social de cidadania. Essa construção foi batizada de Cadastro Único de Assistência Social (CadÚnico) sob o suposto de ser utilizada por diferentes atenções de políticas sociais para incluir o acesso de brasileiros de menor renda. Deste modo, transformando-o na principal porta de reconhecimento do poder público da realidade dessas famílias. Ocorre que, embora a operação de inserção de dados no CadÚnico ocorra no Sistema Único de Assistência Social (Suas) em nível municipal, não se pode afirmar que esteja resultando em conhecimento de necessidades sociais das unidades familiares. Ou seja, existe um potencial como instrumento de ampliação da proteção social subutilizado ou desperdiçado. Entende-se que a base de dados do CadÚnico contém múltiplas possibilidades de aplicação, afinal está se lidando com um conjunto de dados territorializados que dizem respeito à vida de pessoas agregadas em unidades familiares, com forte potencial protetivo. Esses dados possuem periodicidade bienal de atualização, o que lhes dá respeitabilidade de mantença de atualização. Isto posto, entende-se importante tecer algumas ponderações do Banco de Dados do CadÚnico para a efetivação dessas potências. Instituído em 2005, o Suas se comprometeu gerar no Brasil a unidade na gestão da proteção social pública não contributiva. Passados quase 20 anos, o sistema federativo de forte presença municipal é reconhecido por operar sob duas formas de proteção social: a provisão de benefícios de transferência de renda federal (monetizada) e a provisão de atenção e cuidados, através de uma rede de serviços socioassistenciais. O CadÚnico alcança no Brasil 41.636.739 famílias ou 95.926.760 pessoas. Dessas, estão na cidade de São Paulo 1.813.952 famílias ou 4.142.364 pessoas (Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico - Cecad, fevereiro de 2024). Historicamente, o CadÚnico se propôs a alcançar a famílias com até meio salário-mínimo de renda per capita mensal. Em seu nascedouro havia um alinhamento com o padrão internacional, porém, conforme o programa avançou, o Decreto Presidencial que o institui não sofreu grandes alterações. Em meados de 2013, o governo federal estabeleceu metas para inclusão de famílias para cada município com base na metodologia que compara dados censitários (IBGE, 2010) com dados de faixas de renda do CadÚnico. Foi diante desse cenário que a gestão municipal na cidade de São Paulo adotou como procedimento a geolocalização das famílias cadastradas, mantendo a série histórica, e assumiu o uso de ações volantes de cadastramento e outras vinculadas a parcerias intersecretariais. O principal ganho, para além da óbvia expansão do cadastramento, foi o reconhecimento nacional do necessário olhar intraurbano para a demandas de proteção social. Mas, infelizmente esse incremento não produziu efeito no cofinanciamento para ampliar a oferta de serviços socioassistenciais. O tratamento da Base de Dados do CadÚnico da cidade de São Paulo pela aplicação da geolocalização das unidades familiares cadastradas nos setores censitários operada desde 2013, promove uma nova base de dados de unidades familiares, diversa daquela da gestão central do Ministério, por não estar parametrizada. Por isso, é preciso avançarmos na construção de protocolos mais seguros e assertivos que deem consistência a essa base. O que isso nos revela sobre as demandas por proteção social? O CadÚnico permaneceu com a prioridade de inclusão de famílias na faixa de renda de até meio salário-mínimo per capita. Todavia o Programa Bolsa Família (PBF), seu usuário mais frequente, adotou nomenclaturas de grupos de faixa de renda sem correspondência com valores nacionais e internacionais. A exemplo, o Banco Mundial como parâmetro monetário para definição de pobreza, alterou entre 2015 e 2023, o índice de paridade do poder de compra (PPC). No caso brasileiro, passou de US$1,90 para US$5,50, ou cerca de R$27,50 dia ou R$ 825,00 mês para cada indivíduo. A recente revisão perdeu a oportunidade e seguiu desalinhada dos parâmetros internacionais de definição de pobreza. Isso revela uma desarticulação e desatualização do CadÚnico com as vivências de privação e sofrimento resultante das condições materiais dos seus cidadãos, portanto, um afastamento de parâmetros internacionais de distribuição de renda. São Paulo, a partir de maio de 2023 foi designado município piloto para a automatização e cruzamento de dados cadastrais entre a renda autodeclarada e a renda apurada pelo Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). Os resultados dessa operação acabaram por achatar a quantidade de famílias cadastradas segundo as faixas de classificação de renda per capita usadas pelo Programa Bolsa Família. Por isso, constata-se a inadequação de seus valores e a exigência da discussão dos padrões usados, verificados como ultrapassados e inadequados aos padrões internacionais e padrões reais de sobrevivência. Mas a política de Assistência Social não é só renda, e o CadÚnico não deveria se resumir aos usos subordinativos de antigos atestados de pobreza imposto por outras políticas setoriais. Ao gerar vínculo com a família, o Estado reconhece o compromisso com a proteção social e seu compromisso com a parte preventiva e de superação de agressões que possam ocorrer. É importante entender esse compromisso no campo da proteção social e não da disciplina social. A natureza e presença da proteção social estatal não está posta como passageira ou emergencial, mas como uma certeza social. Para alguns, a transferência de renda é uma medida de urgência, tendo por horizonte o denominado preparo para a "porta de saída", e não como deve ser – certeza social, em que a presença do Estado é garantia de dignidade humana de todos os membros da família. À medida em que mais de 20 anos de aplicação do CadÚnico vão ocorrendo novas situações vão se apresentando. Uma delas é a da composição das famílias, sem dependentes denominados unipessoais e cuja presença foi ampliada no pós-pandemia de SARS-CoV-2. Essa heterogeneidade de situações das unidades familiares exige a formatação de uma tipologia dos arranjos e composição das unidades familiares que foi desconsiderada na atual medida que tomou como régua de corte um teto percentual para inclusão de cadastros de unipessoais, e pior, adotou por referência a média nacional desconsiderando a diversidade regional. Essa medida ignora também a diversidade socioterritorial do Brasil e reaviva postura centralizadora que faz aromatizar a questão com naftalina autoritária carregada de negacionismo. A relação de convívio/convivência adquire formas múltiplas no arranjo familiar pois depende dos laços sociais que seus membros estabelecem e mantêm entre si, suas relações de dependência, apoio mútuo, e até mesmo, a presença de diferentes formas de violência. Em contraponto a esse racionamento atual, entre 2003 e 2023 ocorreu um expansionismo do CadÚnico que retirou a presença de limites de inscrição pelo valor da renda per capita. Expandiu a um ponto em que já não se sabe hoje o motivo pelo qual tantas pessoas se cadastram. Um levantamento qualitativo junto aos profissionais e técnicos que trabalham com o CadÚnico, identificou que na pandemia os cidadãos recorreram a inscrição no CadÚnico, sem, contudo, terem conhecimento que não bastava a inscrição para obtenção de benefício. Ou seja, antes que o Estado, os cidadãos reconheceram no CadÚnico seu potencial de proteção social ampliando. O Auxílio Brasil, uma forma de transferência de renda adotada na pandemia, criou esse entendimento. Há alguns programas usuários do CadÚnico de municípios de grande porte e metrópole que alteram os perfis. Tais como Vale Gás, Passe Livre Jovem/Estudante, Serviço Funerário, Leve Leite, Minha Casa Minha Vida etc. que indicam que não haver critério de renda para o acesso, mas exige inscrição. Essa aparente democracia de acesso ao cadastro (quem desejar pode se cadastrar) concorre para que haja mais cadastrados sem benefícios do que aqueles com seu ganho. Assim, produzindo situações de invisibilidade cadastral, ou silêncio administrativo dos registros, para aqueles em situação de maior desproteção social. Novamente, o reconhecimento do CadÚnico se amplia, sem com isso ampliar a sua utilização como mecanismo de efetivação de acesso ou alargamento da experiência de cidadania. Parte dos avanços se dão pelo reconhecimento dessa parcela da população como consumidores ou como massa eleitoral. É preciso avançar na sua qualificação como instrumento de proteção social para de fato cumprir a responsabilidade de acesso aos direitos humanos e sociais. É de fundamental importância a superação do uso do CadÚnico como informação de pobreza para assumi-lo como instrumento de combate à histórica cidadania mutilada. Lembrando que a coleta e inserção de dados no sistema no CadÚnico está reservada ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras), enquanto o cálculo de renda média per capita é feito de modo central e bancarizado, e os relatórios de dados não são georreferenciados aos setores censitários onde vivem as famílias. Então qual é o papel de proteção social do Suas com o CadÚnico? Os dados individuais das famílias deverão ser transportados (desde que a condição territorial permita) para medidas coletivas de partilha de um mesmo território – o que gera condições de aproximação cidadã de pertencimento e reconhecimento social. É urgente que o Suas supere o uso do CadÚnico como ferramenta do Estado Fiscal, onde se limita a ser uma ação de seleção monetária do mérito da presença de miséria (e imposição de condicionalidades), sem apontar a ausência do direito social e humano de crianças, adolescentes, adultos, idosos conviventes nas unidades familiares. É preciso que o CadÚnico se transforme pelo uso, em ferramenta do Estado Social rompendo com o trato subordinativo da população de menor renda que não conta com visibilidade cidadã, não tem escuta, não tem fala. Há déficit de reconhecimento social de agregados populacionais que demandam medidas coletivas de construção intersetorial, que confrontem proteções sociais, que se configuram nos territórios de vivência coletiva das unidades familiares cadastradas. O uso dos dados do CadÚnico para operações bancárias seletivas para testar a ocorrência de miséria, em similitude com o velho atestado de pobreza, não deixa de ser a busca de eficiência no controle centralizado e fiscal do Estado brasileiro. Todavia, não se pode afirmar que essa finalidade tenha relação com o reconhecimento social do Estado de cidadãos e cidadãs que vivem em território brasileiro. A condição de reconhecimento da cidadania é abafada pelo reconhecimento de um ser, dito como vulnerável e não como cidadão, que partilha de acessos ao Estado e que deveria ser extensivo a todos. Ambas as situações incluem acesso, mas mantêm o ingresso pela porta da exclusão e da discriminação. É chegada a hora de derrubar portas e construir arenas de escuta e participação efetiva. Seria possível ao CadÚnico ser uma ferramenta de reconhecimento de cidadania? Isto é, poderia o CadÚnico fortalecer a cidadania ao invés de operar como ferramenta do Estado Fiscal? Seria possível ao CadÚnico ter identidade com a política social e ingressar no campo dos direitos sociais? Como ferramenta nas mãos da sociedade, da população, dos movimentos e não só do Estado ou dos órgãos estatais e, muito menos, de uso centralizado, afastando-se das condições de vida reais da população e suas representações. Analisar os dados do CadÚnico é inseparável das condições objetivas da vida no lugar onde os dados são colhidos e que, de fato, esclarecem suas possibilidades reais e impedem um diagnóstico individual discriminador de um dito vulnerável. Desta forma, o CadÚnico deixaria, então, de ser um sequestrador de dados para ser um interlocutor e canal aberto à cidadania. É preciso retomar a autoria democrática e universal do CadÚnico e resistir aos usos e abusos impostos pelos avanços nas agendas neoliberais. O CadÚnico dever ser considerado como uma expressão da vivência de desproteção social pela cidadã/cidadão que é comunicada ao Estado, o qual passa a ser corresponsável pela superação da situação de desproteção. É responsabilidade do Estado proteger o cidadão. O CadÚnico deixaria, então, de ser um sequestrador de dados para ser um interlocutor de porta e canal aberto à cidadania. * Carolina Teixeira Nakagawa Lanfranchi é doutora em Sociologia, pesquisadora do Núcleo São Paulo do Observatório das Metrópoles, Coordenadora da Vigilância Socioassistencial da Secretaria Municipal de Assistência Social de São Paulo, docente de Serviço Social e Psicologia da UNIP-SP https://www.brasildefato.com.br/2024/03/14/o-cadunico-tem-potencial-de-protecao-social-desperdicado Eis o artigo de Carolina e Aldaiza publicado!