Aos
Prefeitos dos municípios da Baixada Santista e
Conselhos
Municipais de Assistência Social
O Fórum Regional de
Trabalhadoras/es do Sistema Único de Assistência Social da Baixada Santista
(Fortsuas-BS), apresenta às autoridades municipais da baixada santista,
documento que procura subsidiar a elaboração do plano de contingência para os
serviços de assistência social no contexto da pandemia da Covid-19.
A Política Nacional de
Assistência Social (PNAS), de 2004, inaugura um campo de responsabilidade
pública jamais visto no país. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e a
Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009), fizeram com que os
municípios desenvolvessem estratégias de implantação e implementação do direito
socioassistencial a partir de uma rede de serviços, benefícios e transferência
de renda.
Esta Política foi construída para
ofertar proteção social ao cidadão-usuário que vive diversas formas de
desproteção social (renda, alimentação, condições de habitação, violência
familiar e social, entre muitas outras). Para toda desproteção social deve-se
ofertar, pela primazia estatal e pelo sistema complementar, as seguranças
sociais devidas.
Ao tratarmos esta política social
como direito, integrante da seguridade social (em conjunto com saúde e
previdência social), supera-se o desafio da ação conservadora, caritativa e
ligada a focalização e seletividade. Dá-se a distributividade e o
reconhecimento da proteção social, referendando o estatuto de política estatal
descrito desde a Constituição Federal de 1998
(CF/1988).
O SUAS organiza o que está
determinado pela PNAS que, por sua vez, materializa o conteúdo da Constituição
Federal, portanto tratam-se de normativas nacionais que envolveram vários
atores sociais em um grande pacto nacional que contou com o parlamento,
trabalhadoras/es sociais, gestores, categorias profissionais e cidadãos
usuários.
Com a pandemia, pela ocorrência
do novo coronavírus, a política de assistência social, já uma política
“básica”, universal e de proteção, assim como política de saúde, é reconhecida
como ação ESSENCIAL, para garantir a sobrevivência digna
da população. Portanto,
uma política de Estado e não de governo.
Há que se esclarecer que a
essencialidade dada à PNAS deve partir da análise das finalidades da política
(ofertas de serviços nos territórios) caso contrário retomaremos os rumos de
benemerência e filantropia.
A região tem encontrado inúmeras dificuldades para
administrar e gerir serviços e servidores. Isso em razão do inédito momento da
pandemia mas também pelo resultado de uma prática que está sendo reduzida ao
cadastramento e a decisões de gestão: onde está a centralidade de quem
realmente opera na ponta com as famílias, comunidades, que deveria ter sua
prática e conhecimento sendo usados a favor da proteção nesta crise? Cadê a
Gestão do Trabalho, a Educação Permanente, que deveriam ter dados frutos e
profissionalizado esta política e que, agora, poderiam estar orientando a
condução dos serviços?
Centros de referência estão sendo
fechados quando milhares de pessoas, mais necessitam de apoio e orientação. Num
primeiro momento, se entende que esta medida foi profilática para diminuir a
contaminação de Covid-19 entre a população e os trabalhadores. Mas até quando
esta será a principal estratégia das gestões? Como está sendo planejada a
atuação de TODOS os serviços de proteção social básica e da proteção social
especial? Qual a estratégia das gestões para de fato cumprirem seu papel e
responsabilidade de garantir condições de proteção à população mais vulnerável
e a que, sabemos, será a mais atingida pela doença? Como a Assistência social
agirá neste estado de emergência e calamidade pública?
O Ministério da Cidadania e a
Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social emitiram diversas e inúmeras
publicações de orientação para a reorganização dos serviços. É momento de as
prefeituras organizarem planejadamente suas ações e garantir transparência à
sociedade. Mais, é necessário que as trabalhadoras/es da Política de
Assistência Social sejam atores centrais desse planejamento – não é hora de
deixar estes profissionais na “geladeira”.
No sentido e considerando que:
·
A partir do dia 05 de maio, os municípios passaram a receber recursos
financeiros extras (Portaria 369/2020 do Ministério da Cidadania), e que o
papel deste Fórum é mobilizar as trabalhadoras/es do SUAS e atuar no controle
social;
·
para garantir os serviços essenciais gestados pelo SUAS é necessário que
as trabalhadoras/es sociais atuem em condições de segurança e saúde garantidas
pela gestão local;
·
os serviços socioassistenciais na Baixada Santista já operam de forma
precária, sem oferecer minimamente condições de trabalho aos profissionais de
forma segura, eficaz e remota junto às famílias;
·
as secretarias municipais precisam planejar e tornar transparente as
medidas tomadas para garantir o acesso da população aos auxílios governamentais
e demais serviços socioassistenciais durante a pandemia, sob risco de ser
denunciadas por omissão ou negligência;
·
os Conselhos municipais precisam monitorar e fiscalizar as gestões de
assistência social e os serviços socioassistenciais das unidades públicas e as
inscritas, sob risco de serem denunciados por omissão ou negligência.
O FORTSUAS-BS propõe ações
para a elaboração de um “plano de contingência”, a ser construído de acordo com
a realidade de cada município e que deverá contar com a participação de
representantes de movimentos sociais e populares, universidades, entidades de
representação da sociedade, profissionais da saúde e da assistência e
representantes do poder público local.
1. Comitê de crise para combate
da pandemia:
·
Criação
de “comitê de crise” para integração das diferentes pastas setoriais, estadual
e municipal incluindo a assistência social, que seja responsável pela condução
das ações da prefeitura para combater a pandemia da Covid-19, bem como por organizações comunitárias, com
representação de trabalhadoras/es e cidadãos usuários dos serviços de base
dessas políticas, como CRAS, UBSs, Escolas. Sugere-se a fundamental mobilização
dos profissionais dos CRAS, que já conhecem os territórios e que têm em mãos
informações preciosas contidas no Cadastro Único e no Bolsa Família.
Fundamental que as equipes de profissionais de assistência social sejam
escutados sobre as necessidades e demandas.
·
O “comitê
de crise” será responsável por monitorar as ações de prevenção e atendimento,
coordenando a atualização do “Painel de Situação da Covid-19” e a
execução das campanhas de comunicação. Assim, uma de suas atribuições deverá
ser a de facilitar o acesso à hospedagem em hotéis e outros espaços de
indivíduos pertencentes aos grupos risco. Também terá a função de conectar a
situação local dos territórios com as demais unidades e órgãos do sistema de
saúde, favorecendo as ações para a construção de um Programa sistêmico de
atenção em saúde para a população.
2. Trabalhadoras e Trabalhadores:
- Definição de novas rotinas de trabalho nos
serviços a partir de diálogo com os trabalhadores de base dos serviços e
não de maneira individualizada;
·
Regime de
revezamento e horários alternativos de trabalho;
·
Colocação
em teletrabalho além da dispensa das trabalhadoras em grupos de risco;
·
Remanejamento
de profissionais de serviços suspensos para apoiar os serviços de linha de
frente (centros e serviços de acolhimento, por exemplo);
·
Aquisição
de equipamentos de proteção individual (EPIs) e equipamentos de proteção
coletiva (EPC), conforme necessidade de cada serviço;
·
Instrução
permanente para uso seguro dos EPIs;
·
Orientação
e capacitação sobre procedimentos para atuação segura nos serviços junto à
população (não basta ter os equipamentos e não considerar condicionantes da
atuação);
·
Suporte
emocional e familiar a profissionais da “linha de frente”.
3. Planejamento dos serviços
·
Planejamento
do funcionamento dos serviços com linhas gerais para: CRAS, CREAS, Centro Pop,
Centro Dia, Acolhimentos Institucionais;
·
Criação
de estratégia de comunicação integral e horizontal da gestão com as
trabalhadoras/es dos serviços, com o objetivo de informar a real situação do
município e de infectados nos serviços respectivos, e para comunicar sobre as
novas rotinas de trabalho por meios formais e coletivos (para toda da equipe),
inclusive às trabalhadoras/es que estão em trabalho domiciliar, para que todos
tenham acesso ao que está sendo desenvolvido no serviço. Importante que essa
comunicação não ocorra de maneira informal (via WhatsApp, por exemplo) e de
forma individualizada e desarticulada. Considera-se aqui a necessidade de que
as coordenações dos serviços façam a comunicação dos direcionamentos,
tanto para a gestão, quanto para as trabalhadoras/es a fim de que as ações
sejam compartilhadas e articuladas;
4.
Atendimento, isolamento e comunicação:
·
No que se
refere à comunicação, diante da necessidade de uma verdadeira pedagogia
comportamental de aplicação de protocolos de cuidados de isolamento social e de
higiene, a busca pela boa informação e orientação depende da implementação de
estratégias mais intensivas e capilares, capazes de chegar a todos, e de
incidir pedagogicamente em suas atitudes. Muitas dessas estratégias já estão
disponíveis, mas precisam ser potencializadas. E nesse momento, a mais
importante seria a distribuição de máscaras associada à massificação das boas
práticas de seu uso.
·
Criação
de estratégia de comunicação e transmissão de informações à população por
território, com uso de carros, redes de comunicação e outros;
·
Criação
de estratégia de comunicação entre proteções sociais e serviços dos
territórios;
·
Envio de comunicados
por escrito, sobre ações e estratégias, aos trabalhadores das escolas, unidades
de saúde, conselhos tutelares, serviços de justiça
·
Criação
de estratégia de comunicação com a Saúde do território.
- Informar a população das novas formas de
atendimento nos centros de referência, de forma a evitar idas
desnecessárias aos serviços e a aglomerações de pessoas;
- Disponibilizar e divulgar linhas telefônicas
centrais na prefeitura para informar e tirar dúvidas da população sobre o
funcionamento dos serviços;
- Colocação de proteção física para atendimento
em centros de referência e para o cadastro único, como os de acrílico
utilizados em guichês de supermercado;
- Contratação de centrais telefônicas para
atender às dúvidas e orientar a população sobre o auxílio emergencial e
serviços socioassistenciais, de forma a retirar o foco sobre os CRAS e
evitar aglomerações como as que têm sido registradas diariamente em
diversas localidades;
- Organização de linha de WhatsApp no perfil
exclusivo de administrador para somente enviar mensagens às famílias, a
exemplo da linha do Ministério da Saúde;
- Estruturação dos centros de referências com
linhas telefônicas, internet, computadores, celulares (linha privada não é
do serviço, é particular), e demais equipamentos eletrônicos e de
comunicação necessários ao bom desenvolvimento dos trabalhos (locais de
trabalho precários e deprimentes não possibilitam o melhor desempenho das
trabalhadoras/es, com razão);
- Organização de espaços alternativos para o
isolamento de indivíduos contaminados com Covid-19 que não estejam em
situação de isolamento em equipamento da Saúde;
- Uso de hotéis para isolamento de pessoas em
situação de rua que necessitem estar em isolamento por suspeita ou
infectados pela Covid-19;
- Provisão de insumos de proteção como máscaras
e produtos de desinfecção às pessoas atendidas em serviços de acolhimento,
serviços de atendimento à população em situação de rua, incluindo a
abordagem social).
- Atendimentos itinerários de equipes nos
territórios de modo a levar informação à população e apoiar na
identificação de casos de falta de renda, abandono ou abuso e outras
violências.
- Assegurar o abastecimento de água, esgotamento
sanitário e disponibilidade de equipamentos para realização da higiene
pessoal em asilos e demais residências comunitárias que abrigam idosos com
baixa capacidade financeira e em cadeias e presídios, considerando o risco
de rápida disseminação da doença.
5. Vigilância socioassistencial
- Equipes
de vigilância socioassistencial/gestão deverão produzir informações sobre
os territórios nos bairros de aglomeração de famílias e habitações
subnormais, para atuação das equipes para informação e identificação de
possíveis casos de pessoas com Covid-19;
- Produção
de informação monitorando casos de pessoas atendidas nos serviços com
suspeita ou confirmação de Covid-19;
- Elaboração de diagnóstico da
situação de cada território, com apoio de dados da saúde, quanto ao
alcance dos equipamentos de saúde locais, para melhor aproveitamento dos
recursos disponíveis e identificação de lacunas que precisam ser supridas.
- Importante
que os serviços socioassistenciais atuem de forma articulada. Que as ações
de proteção social sejam organizadas entre os serviços que compõem a rede,
com a definição de novos fluxos de trabalho que possam ser adotados de
modo a atender as necessidades da população no atual contexto.
6.
Articulação intersetorial
- Ações
para a garantia de água e saneamento básico em territórios e bairros
suscetíveis a proliferação da doença por falta de condições de
habitabilidade. Suspensão dos cortes de fornecimento de água devido a
inadimplência, bem como religação das famílias que estão com suas ligações
cortadas e suspensão da cobrança das contas de água nesses territórios e
interrupção dos procedimentos de redução da pressão nas redes, para
garantir disponibilidade de água com pressão necessária para todos os
moradores 24h por dia; e expansão do abastecimento de água emergencial
para as áreas não atendidas ou precariamente atendidas, através de
caminhão pipa ou outros meios;
- Garantia
de desinfecção das vias públicas e dos territórios mais negligenciados
pelo poder público;
- Disponibilização
de chips de celular com internet pública livre e móvel - com boa qualidade
- nos territórios para famílias referenciadas nos serviços da assistência
social para que tenham acesso aos serviços, benefícios, audiências, sem a
necessidade de se deslocar para outros territórios;
- Implantação
de Polos de Atendimento Exclusivo para Covid-19 nos territórios. Os Polos
serão fundamentais para preservar as unidades de atenção primária, e para
permitir uma triagem de pacientes com sintomas de síndrome gripal. A eles
devem estar articulados um programa de gestão dos leitos hospitalares e de
acesso a ambulâncias;
- Uso
dos prédios das escolas públicas ou de outros espaços públicos existentes
para a realização de quarentena assistida por indivíduos com sintomas da
doença, mas que não precisam de internação hospitalar.
7. Coordenação e apoio social
- Implantação de “Painel de Situação da
Covid-19” para os territórios, e aglomerados de pequenas e médias
ocupações como ferramenta fundamental de monitoramento para o trabalho dos
Centros de Referência;
- Sistematização de
informações qualitativas trazidas pela comunidade e por agentes
comunitários de saúde, a fim de assegurar que o apoio social possa chegar
tempestivamente a todos os que dele necessitam. Por isso mesmo, o Centro
de Referência deverá ter papel de coordenador das ações sociais,
otimizando recursos e esforços, e articulando as redes locais com redes de
solidariedade compostas por diferentes segmentos da cidade. Por meio dessa
rede, renda, alimento, equipamentos de higiene e máscaras poderão chegar a
todos que deles necessitam.
8. Apoio e agilização dos
sepultamentos.
·
É preciso
que se crie, em caráter extraordinário, procedimentos que agilizem e facilitem
o sepultamento de mortos. E isso inclui o reforço do serviço de remoção
gratuita dos corpos, e o apoio financeiro aos serviços funerários. Além de todo
cuidado com os funcionários que executam essa atividade.
O FORTSUAS Baixada Santista se coloca à
disposição dos municípios da região, para dialogar e colaborar para a
construção de planos de contingência e planejamentos técnicos de trabalho
social que contribuam dentro de cada realidade municipal à um atendimento digno
e de efetivação de direitos à população.
Santos, 08 de Maio de 2020.
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